Denise Accurso
Foi de ultima hora que precisei ir a Cachoeira do Sul, levar uns documentos e fazer um pagamento referente ao jazigo de minha falecida esposa. Ligaram ontem dizendo que estão tentando me localizar há dias!
Não é que eu não goste de viajar. Gosto tanto que, morando em Guaíba, vou quase todo dia a Porto Alegre comprar alguma coisa, fazer minhas apostas, ver minha filha ou simplesmente dar uma volta. O problema foi ser assim, de última hora. Não vou ter coragem de incomodar ninguém e pedir pouso, vou fazer mesmo um bate-e-volta.
É demorado, tive que ir à Porto Alegre e lá pegar o primeiro ônibus pra Cachoeira. Na véspera organizei a documentação numa dessas pastas retangulares de plástico com elásticos nos cantos. Cheguei em Cachoeira por volta das onze da manhã e já comprei minha passagem de volta. Saí correndo pra resolver tudo.
Incrivelmente deu tudo certo. Consegui acertar todos os detalhes burocráticos e fazer os pagamentos necessários e ainda ia conseguir pegar o ônibus de volta!
Peguei um táxi. Desci defronte à rodoviária de Cachoeira. Faltavam dez minutos para o ônibus sair rumo a Porto Alegre.
Acelerei o passo. Entrei no espaço da rodoviária. Ia caminhando rápido, quando, de repente, algo atingiu meu quadril. Perdi o equilíbrio. Caí. Vi minha pastinha fazer uma pirueta no ar, abrir-se e seu conteúdo esvoaçar e cair como se fossem folhas secas de uma árvore.
Estava com muita dor, mas não tinha tempo sobrando. Levantei e vi o que me atingira: um fusca velho, com um motorista mais velho ainda! O homem, de cabelos e bigodes brancos, apertava o volante com as mãos, a boca e os olhos abertos, parecendo em pânico.
Levantei, consegui recolher meus papéis e fui até a janela do fusca. O motorista estava ali, tremendo, incapaz de falar ou de se mexer. Puxei-o pelo colarinho e olhei dentro dos seus olhos:
– Se eu não estivesse atrasado pra pegar meu ônibus te quebrava a cara, animal cego!
Larguei a camisa com um safanão. O velho continuava ali, parecendo não compreender.
Virei as costas e corri. Consegui pegar o ônibus. Lá sentando, a realidade do que havia me acontecido começou a me atingir. Eu tinha acabado de ser atropelado! Comecei a me examinar. Nada parecia quebrado, tudo parecia funcionando.
Considero que tive sorte. Afinal, até hoje, com mais de noventa anos, nunca tinha sido atropelado! Achei que no outro dia seria obrigado a procurar um médico. No dia seguinte, como não senti nada, simplesmente esqueci.