Denise Accurso
Barulhos
Os seus pés empurraram o chão com força, fazendo o balanço voar. Pedrinho estava com fome, o horário do lanche já devia ter passado há muito tempo. Balançou mais forte, mais alto. Sabia que não podia entrar em casa.
O que estava acontecendo lá dentro devia ser culpa dele. Quase tudo era. Quando o pai deixava alguma coisa cair, ou chegava de cara fechada, qualquer coisa que denunciasse sua presença desencadeava o castigo.
Desta vez estava diferente. O problema parecia ser com a mãe. Pedrinho ouviu ela gritar várias vezes. Cantou alto dentro de sua cabeça, tentando ao mesmo tempo não ouvir e não fazer barulho. Também ouvia a voz enfurecida do pai. Não entendia direito o que ele dizia, nem queria entender. Tudo o que ele queria é que parassem e que a mãe aparecesse na porta e dissesse pra ele entrar e tomar seu nescau.
O céu, contudo, já estava ficando escuro. Nos postes da rua as luzes começavam a ser acesas. Pedrinho sabia onde acender a luz do pátio, mas isso o levaria para muito perto da porta de casa. Não tinha coragem.
Ouviu, mais uma vez, os gritos. Os da mãe pareciam choro. Barulhos de coisas caindo, berros… Não conseguia mais parar de ouvir. A fome não era distração suficiente.
Já passara muitas horas naquele balanço, ouvindo coisas ruins. Nunca, achava, por tanto tempo. Não lembrava de ter visto a noite chegar do lado de fora.
A mãe não estranhava ele não ter entrado nem para ir ao banheiro? Bem que ela podia dizer para o pai parar e vir buscá-lo. Ela o pegaria no colo, lhe daria um abraço quentinho. Podia até brigar um pouco com ele, como é que tinha ficado do lado de fora daquele jeito? Não sabia que era hora de criança estar em casa? Com certeza logo, logo, a mãe iria sentir sua falta. Iria buscá-lo. O pai, a essa altura, teria saído ou estaria trancado no escritório e tudo ficaria bem.
Só que os barulhos não paravam, não paravam…
De repente ouviu um estalo alto. Não identificou aquele som. Ouviu a voz da mãe, só que fazendo um som que também não conhecia, parecia o uivo dos lobos que via no Animal Planet. O pai também soltou um grito, só que parecia abafado. Passou um tempinho, ouviu outro daqueles estalos altos.
Aí, ficou tudo em silêncio. Pedrinho tinha parado de se balançar. O silêncio total também o perturbava. Não sabia muito bem o que devia fazer.
A porta da frente abriu. Por ela, saiu a mãe. Estava caminhando de um jeito estranho, parecia o priminho pequeno aprendendo a andar. Na mão da mãe viu seu revólver de xerife. Olhou melhor e achou que era outro revólver de xerife, parecia maior.
A mãe nem olhou pra ele. Saiu pelo portão caminhando daquele jeito engraçado. Pedrinho respirou fundo. Não havia mais nenhum barulho. Saiu do balanço e entrou em casa.