Denise Accurso
Marta olhou as unhas. Tinha ousado dessa vez e escolhido uma cor completamente fora da sua zona de conforto. Era um tom de rosa muito vivo, néon. Perguntou à Lúcia, sua manicure:
– Como é o nome dessa cor que você usou?
Lendo no vidro, Lúcia respondeu:
– “As inimigas choram”.
Ambas riram muito daquele nome. Marta chegou a sentir lágrimas nos olhos. Adorava ir ao salão. Era um ambiente tão alegre, era sempre tão bem recebida. Naquele dia, saíra com a temperatura próxima de 9 graus. O céu estava tão límpido que o azul parecia transparente. O ar gelado entrava pelo nariz marcando seu caminho de frio.
Estava bem agasalhada e sentia-se elegante. Colocara um cachecol vermelho, chamativo, e um batom no mesmo tom. Quando chegara, Lúcia logo havia comentado:
– E toda essa boniteza! Algum motivo especial?
– Nenhum. Estou cansada de andar de qualquer jeito. Vou começar a me arrumar mais.
As unhas estavam prontas. Como sempre, Lúcia serviu um cafezinho, que Marta costumava tomar enquanto esperava o esmalte secar um pouco.
Deu o primeiro gole. A sensação, que começava a ser familiar, logo veio. Parecia que um alien malvado espetava agulhas nas suas vísceras. Instintivamente, levou a mão à barriga, por baixo do casaco.
– Cuidado! Vai estragar as unhas.
A dor era quase intolerável. Tirou a mão, lutando para respirar. Com grande esforço, largou o café.
– Não sei… Não estou muito bem do estômago. Acho que não vou tomar o café.
– Mmmm… Enjoada… será…?
Lúcia riu. Era brincadeira. Ambas sabiam que Marta já estava na menopausa há anos.
Com cuidado, levantou-se. A onda de dor estava passando. Tentou lembrar das sombrias previsões do médico, quando, há cerca de um ano, dissera que não faria nenhum tratamento. Ele tinha dito que o tumor continuaria crescendo até pressionar algum órgão vital ou nervo, e que haveria dores insuportáveis.
As dores estavam chegando, então. Não importava, Marta ainda sentia ter tomado a decisão certa. Lembrava de sua mãe, que passara os dois últimos anos de vida entrando e saindo de hospitais, fazendo exames desagradáveis, tudo para terminar sucumbindo.
Não havia contado nada a ninguém. Nem o marido, nem os filhos, a nora, o neto, a velha tia, irmã da mãe… Ninguém sabia. Nada dissera. Certamente não concordariam com sua decisão.
Estava na porta do salão quando veio de novo a dor. Agarrou-se ao batente para não cair.
– Que foi? Lúcia parecia preocupada.
– Virei o pé. Fazia tempo que não usava salto…
Saiu para o dia gelado e lindo. Como ela adorava esses dias secos de inverno! Sentia-se quase feliz. O medo da dor estava estragando um pouco. Nunca tinha sentido assim, tão forte e tão seguido.
Andou pela rua, perdida em pensamentos, mas também apreciando as vitrinas, sentindo o ar gelado entrar em seus pulmões. Que devia fazer? Contar ao marido?
Parou em frente a seu banco. Estava na dúvida se precisava ou não sacar algum dinheiro. Percebeu uma espécie de confusão, pessoas correndo, gritos. Em seguida, sentiu uma pancada tão forte na cabeça que caiu.
Ouviu, muito longe, tiros. Depois, o silêncio. Pôs a mão na cabeça. Retirou-a. Viu suas unhas rosa néon e também sangue. Compreendeu que levara um tiro. Não haveria mais dor nem decisões para Marta. Seu último pensamento foi: “As amigas vão chorar também…” Estava rindo.