Denise Accurso
Fernanda estava sem pressa aquele dia. Já saíra com bastante antecedência para isso, poder desfrutar o caminho, a própria caminhada, esse dia de primavera tão agradável. Estava com um vestido esvoaçante que adorava. A brisa era gostosa, o dia, agradável.
Chegou adiantada ao salão. Dia de fazer a mão, hidratar o cabelo. Adorava cuidar de si.
Chegou e foi logo tomando um cafezinho. Não sabe bem porque, mas lembrou da amiga, também cliente do salão, falecida meses atrás.
– Gente, do nada agora lembrei da Marta. Que loucura aquilo…
Marta estava a poucas quadras dali quando levara um tiro. Bala perdida, resultado de uma tentativa de assalto a banco. Bala nada perdida, que tinha achado morada justo na pobre Marta.
– Pois é. A vida é mesmo assim. Nunca se sabe o que pode acontecer.
Lúcia, sua manicure há anos, começou a tirar seu esmalte das unhas. A conversa fluía, falavam de amenidades, coisas do bairro, família.
De forma repentina, a atenção de Fernanda é desviada para o caixa. Lá está um homem… Ela não lembra de já tê-lo visto antes, mas se arrepia toda. As têmporas e sobrancelhas grisalhas revelam que não é jovem. Um principio de barriga força a camiseta para a frente. Mas aqueles olhos, aquele sorriso… Fernanda não entende, mas está fascinada. Tenta ouvir a conversa.
– Eu imaginei… Não vim antes porque, sabe como é – escuta o homem dizer.
– Imagina, seu Murilo, sem problema. Já que o senhor faz questão, vou procurar a ficha da Marta e ver se ficou mesmo um saldinho.
Lúcia percebe o interesse de Fernanda.
– Sabe quem é o cara lá na entrada?
– Não!
– É o viúvo da Marta. E ainda agorinha tu falaste nela…
Em voz bem alta, Lúcia oferece:
– Aceita um cafezinho, Murilo?
Ele passa a mão no rosto e responde:
– Sabe que iria cair bem?
O olhar dele cruza com o de Fernanda, que se sente grata por estar sentada, já que as pernas quase tremeram.
– Senta aqui, Murilo. Deixa eu te apresentar a Fernanda. Ela também era amiga da Marta e agora mesmo estava falando nela.
O olhar dele fica caloroso.
– Marta tinha tantos amigos, tanta gente gostava dela. Bom saber.
Chega o cafezinho de Murilo. Fernanda reclama:
– Quero um também!
– Eita mulher que não para de tomar café, meu Deus. Toma outro aqui.
A conversa meio que esfria. Lúcia finaliza as unhas de Fernanda.
– Aqui está terminado. Agora bebe teu café e vamos passar para o cabelo.
A recepcionista retorna, Murilo levanta e vai para o caixa. Fernanda fica triste, o momento passou. Também… Não parece muito apropriado. O cara a recém enviuvou. Pode ser uma fria. Fernanda não quer entrar em nenhuma roubada. Depois de seu último relacionamento, está fragilizada, sem anticorpos pra enfrentar essas situações. Termina se convencendo que foi melhor assim.
Seu cabelo está pronto. Olha-se no espelho. Gosta do que vê. Mesmo as rugas, as gordurinhas, tudo aquilo faz parte dela, revelam sua idade, sua trajetória. Está feliz e não pretende se deixar abalar pela atração que sentiu pelo viúvo de Marta. Parece sentir a presença dela, tão alegre e positiva.
Dirige-se ao caixa. A recepcionista cobra o valor e lhe entrega um cartão:
– O seu Murilo pediu pra te dar.
No cartão está escrito: “Vamos tomar outro café?” E um número de telefone.