Denise Accurso
Célia tinha certeza de que o relacionamento deles estava passando por alguma crise. Uma crise silenciosa, mas crise. Não que o Mauro tivesse mudado muito. Apenas parecia mais faceiro que o normal. Sabia, com certeza, que era o começo do fim. Toda aquela alegria significava que, provavelmente, havia conhecido e se encantado por alguém.
Talvez não fosse nada assim tão drástico. Talvez ele apenas tivesse decidido que não queria ficar com ela. E essa era a origem do contentamento diferente que vinha percebendo no companheiro.
Lembrava bem da última DR deles, em que tinha insistido que se casassem. Ele recusara veementemente, dizendo que jamais se casaria, que não acreditava em assinar um pedaço de papel para estar com alguém. Argumentou que esse “título de propriedade” tinha o efeito de acomodar as pessoas, fazer elas se desinteressarem. Falou, falou…
Ela entendia que essa negativa só podia significar uma coisa: incerteza. E passou a observá-lo. Não tinha sorte em relacionamentos. Melhor ir me preparando, pensou. O que devo fazer? Aproveitar o tempo que resta ou já ir me desligando? Não sabia. Achava, realmente, que o que tinha com o Mauro era diferente, estável e duradouro. Começava a perceber que estava enganada.
– Fiz café pra dois. Esquentei tua xícara como tu gosta.
O sorriso dele parecia tão franco, tão sincero! Talvez estivesse imaginando coisas. Olhou o calendário: estava em plena TPM, período em que, muitas vezes, julgara ter acabado o relacionamento. Seria isso?
Tomou o café. Viu que Mauro atendia o celular e dizia: “Não posso falar agora”, de um jeito estranho, protegendo a tela com a mão. Pronto, aí está. Não são seus hormônios enlouquecidos, está realmente acontecendo alguma coisa!
Vai para o trabalho se sentindo péssima. Conta tudo à colega, que acha que Célia está exagerando.
– Olha, o “não posso falar agora” podia ser porque ele estava saindo para o trabalho. Podia ser um monte de coisas.
– Acontece que eu sei, Mari. Eu sei, eu sinto que tem alguma coisa errada. Comigo é assim mesmo, tudo sempre dá errado… Até hoje, todos meus namoros fracassaram.
– Ué, se não fosse assim tu não estarias com o Mauro. Fracassar é um tanto forte, não achas? Deram certo enquanto duraram. Quando acaba, acabou. Deixa de ser tão dramática. É só olhar e ver que o Mauro gosta de ti, está feliz contigo.
– Acho que no fim tu tens razão. Eu devo estar viajando. A história dele não querer casar mexeu comigo. Nenhum de nós cozinha na primeira fervura, afinal. é um outro tipo de relação, mais madura, menos frescura.
– É isso mesmo, amiga. Para de esquentar tanto.
Assim o dia foi passando. No meio da tarde, um whats de Mauro: “vou levar um vinho. Quero conversar contigo”.
Com uma estranha sensação de vitória, mostra o whats à colega:
– Eu não disse? Confio nos meus instintos.
Passou o resto do dia nervosa. Sabia que tudo seria revelado. Estava com medo, não conseguia se concentrar.
Chegou antes em casa. Em sua cabeça, passava um filme com a história deles, como se conheceram, quando decidiram morar juntos… Sentia um aperto no coração.
Mauro chegou, com o vinho. Ela teve a esperança que ele adiasse a conversa, que se acovardasse. Ele estava estranho, parecia… pensativo, concentrado.
Prepararam uns petiscos e abriram o vinho. Mauro pegou a mão dela, todo solene:
– Célia… Tu sabes o quanto eu te respeito e te admiro. Tu foste a melhor coisa que me aconteceu.
“Mas”, pensou ela.
– Eu pensei muito, Célia. Acho que está na hora de seguirmos adiante.
Ela tenta não chorar. Sabia que vinha a paulada. Seguir adiante, cada um com sua vida. Tudo que ela queria era a vida de antes! Tantas coisas, pequenas coisas… Pequenas gotas de felicidade. Como o café daquela manhã. Tudo estava acabando, simplesmente.
O que seria? Um novo amor? Ou o sentimento por ela simplesmente tinha acabado? Queria, mas não queria saber.
Ele pega sua mão e olha dentro de seus olhos. Puxa algo do bolso e diz, solene:
– Célia, quer casar comigo?
A resposta não foi a que ele esperava. Célia dá um soco na mesa, exclamando:
– Maldita TPM!