Denise Accurso
Quando conheci meu marido, logo percebi que se tratava de um assobiador. Usava o assobio para tudo: chamar, elogiar, calar, cumprimentar. Achei peculiar, apenas isso.
Depois, comecei a achar prático. Estava em casa, envolvida no escritório ou tomando banho, e ouvia a porta da frente se abrir. Logo vinha o assobio tranquilizador: não era um malfeitor, era ele.
Com o passar dos dias, descobri que ele gostava de imitar o canto dos passarinhos. Eu não tinha condições de julgar, não sei assobiar e na época não percebia a diferença entre os diversos tipos de trinados. Sempre que havia passarinhos cantando, ele se punha a assobiar junto. Eu achava engraçado, e só.
Foi num período de descanso que passamos num sítio em Maquiné, o lugar com mais passarinhos por metro quadrado que já vi na vida, que descobri que havia ali uma real comunicação. Passávamos horas sentados e ele chamava os passarinhos, que respondiam. Ali, com tempo, com vagar, com internet ruim e sem TV a cabo, comecei a perceber os diversos tipos de canto e a expertise do meu marido.
Depois disso, houve várias ocasiões, em tantos lugares, em que ele me dizia: é um canário, é um bem-te-vi, é um sei-lá-o-quê… E logo se punha a cantar até receber resposta.
Recentemente, ano passado para ser mais precisa, ele me chamou insistentemente no escritório. Fui irritada, estava ocupada com qualquer coisa. Quando cheguei lá, os olhos dele brilhavam, seu sorriso tinha um encantamento infantil enquanto apontava para o telhado do prédio vizinho:
– Olha! Olha!
Vi uma espécie de pomba marrom-claro, com o bico grande e curvo, num ninho. Não queria decepcioná-lo, mas não estava entendendo muito bem.
– Aquele bicho esquisito? O que é?
E ele, com emoção na voz:
– Um filhote de gavião!
Começou um período de pesquisa e estudo. Por três ou quatro noites, meu marido vasculhou a internet em busca de tipos e cantos de gavião. Até que se deu por satisfeito.
Tive algum compromisso e cheguei em casa somente na hora do almoço. Ele me chamou:
– Vem aqui no escritório. Sem fazer barulho nem gestos bruscos.
Presenciei, então, esse pequeno milagre, ele emitindo sons e o animal dando voos rentes à janela do escritório, exibindo a barriga. Depois de vários desses voos, a ave pousou no nosso ar-condicionado.
Essa se tornou nossa rotina matinal. Íamos ao escritório, abríamos a janela e chamávamos Tião, o “nosso” gavião. Eu, que já tive uma coruja… Mas espera, essa é outra história, outro casamento, outra vida.
Comecei a compartilhar do encantamento dele. Mostrávamos às visitas, tirávamos fotos. O diálogo parecia cada vez mais fluente.
Então, fizemos uma viagem de uma semana. Quando voltamos… não havia mais Tião. Eu não me conformei. Nunca. Ele, sim:
– Foi um milagre ele ficar por aqui tanto tempo.
Eu torço para que esteja tudo bem com ele.
Então é isso: meu marido fala com os pássaros. Uma das milhares de facetas desse homem com quem vivo há mais de dezenove anos, que não conheço ainda e provavelmente nunca chegarei a conhecer.