Denise Accurso
Hoje a Jana deu uma piorada e já vomitou várias vezes. Demos o soro caseiro, depois o remédio, conforme o médico orientou. Ela está com uma cor amarela e muito fraca. Tentei fazer ela tomar um pouco de leite, mas voltou tudo. Enfim, tive que ir trabalhar e deixei lá minha cunhada cuidando dela.
Está bem pesado pra mim, a mulher doente, o trabalho, os filhos. Por sorte essa irmã dela está disponível e tem nos dado uma mão. Sem ela eu teria que tirar dinheiro não sei de onde pra contratar uma cuidadora. Enfim, vou me virando.
Quando chego ao trabalho as conversas e risadas cessam. Todos me olham com piedade. Sei que a intenção de cada um deles é boa, mas o sentimento que surge é de isolamento. Tudo que eu quero é fazer parte do meu grupo, ter vida normal, rir, falar de futebol… É tão desagradável isso! Vejo em alguns um certo constrangimento, parece que se preocupam somente com eles mesmos e não comigo. Dá vontade de pegar pelos ombros e dizer: relaxa! Essa cruz é minha, oferece ajuda e simpatia, não fica aí preocupado com o teu papel, com a tua adequação. Estou pouco ligando pra isso.
Logo um dos colegas vem falar comigo, todo sério e solene:
– Bom dia! Como está tua mulher, como estão as coisas?
Meu primeiro impulso é de raiva, depois sinto pena. Coitado! Não é proposital isso. Ele está tentando.
– Na mesma.
– Se precisar de alguma coisa…
– Um café.
Ele me olha, confuso. Sorrio.
– Estou mexendo contigo. Mas que preciso de um café, preciso. Deixa que vou pegar.
Bebo meu café sozinho no refeitório. Percebo que todos me evitam. Dá vontade de dizer, ei, gente, sou eu, o parceiro de cervejada, o colega de trabalho, o contador de piadas. Mas não sou mais. Sou o marido da mulher que está morrendo. Estou reduzido a isso.
Respiro fundo e tento exercitar a empatia, a compreensão. Entra a moça da limpeza. É nova por aqui.
– Bom dia!
– Bom dia! Ué, cadê a Salete?
– ‘tá de férias. A empresa mandou eu cobrir o serviço dela.
Ponho a xícara na pia.
– Olha aí, uma colaboração com teu serviço…
Ela ri.
Sinto que sou uma pessoa normal. Volto à minha sala. Dou um sorriso para o pessoal. Percebo o alívio em alguns olhares.
Preciso muito aproveitar essa janela de normalidade.
No final da manhã, atendo o celular. É minha cunhada:
– Ela piorou. Estamos indo para o hospital.
– Encontro vocês lá.
Xi. Durou bem pouco minha normalidade.