Denise Accurso
Estamos agora contando os dias para mudar o sentido da viagem e começar a voltar, e o sentimento de perda é inevitável. Foram, até agora, 50 dias cheios de experiências. Uma coisa que descobrimos foi a bondade, quase candura, das pessoas do norte da Argentina. Senti que voltava ao meu tempo de criança, quando para fazer amizade bastava a gente se conhecer.
Estávamos numa estrada de terra totalmente deserta,no interior de Cachi, em La Poma,eu creio, procurando os vulcões gêmeos, e percebi que tinha pouca água. Começamos a economizar, pois não parecia haver qualquer possibilidade de se comprar água mineral por ali. De repente vi o cartaz: “se vende água”.
Era uma casa da mesmíssima cor da terra, vermelho-tijolo, baixa e com a porta pequena. Chamei e uma senhora sorridente me atendeu. Ela parecia tão genuinamente interessada em mim que eu,tão avessa a papo-furado, contei detalhes da minha vida em Porto Alegre e de minhas impressões da viagem até ali. Ela me cobrou, por uma garrafa de litro e meio de água mineral, o valor que, no supermercado, eu teria pago pela de 500ml. Essa falta de ganância – afinal, ela não tinha concorrentes, poderia cobrar qualquer preço e eu, sempre sedenta, teria pago, foi uma coisa que nos encantou.
Outra coisa foi o carinho pelos brasileiros, isso em toda a parte, não somente no norte. Pessoas estranhas nos abordam na rua ao nos ouvir conversar em português para dizer o quanto amam nosso país (infelizmente, nenhuma delas conhecia Porto Alegre), alguns oferecendo ajuda, se precisávamos de alguma coisa, alguma informação… Até o correspondente deles ao nosso azulzinho portoalegrense se mostrou encantado com nossa nacionalidade. Vocês sabem que tenho muita dificuldade com conversas sem propósito, ainda mais com desconhecidos, mas aqui enchi-me de responsabilidade: não podia decepcionar um povo que nos vê tão afetuosamente.
Eu poderia contar vários episódios, comprando num mercadinho, saindo da sorveteria, tomando um café, em que fomos abordados carinhosamente, festivamente por pessoas que nos davam informações muitas vezes de nosso amplo conhecimento, mas que recebíamos como oferenda, e nos declaravam seu amor pelos brasileiros. Não tive escolha: correspondi.
Outra descoberta interessante foi que o culto ao tango é algo que se restringe à capital. Nunca, em nenhum lugar que entramos nesse tempo, estava tocando tango. Eles ouvem mais músicas folclóricas argentinas, vêem o tango como algo portenho. Não parecem apaixonados por sua capital: mais de uma pessoa nos preveniu que em Buenos Aires existem “malas personas”. Uma senhora que fazia tortilhas nos declarou que “aqui as pessoas são boas, na capital é diferente”.
Adoro Buenos Aires mas em duas ocasiões diferentes (com anos de intervalo) fui enganada por taxistas. Também tive problema grave com hotel, uma vez. Na época não estranhei, embora devesse. Estamos acostumados a ser espoliados, a estar na defensiva, a conferir o troco, a ver se o preço que nos cobraram é aquele mesmo.
Sábado fui buscar uma pizza que tinha encomendado e perguntado o preço: ouvi 1.900 pesos. Conferindo o informativo que recebi pelo whats, vi que o preço era, na verdade, 3.900 pesos. Atribuí o erro à minha falta de fluência no idioma. Separei os 3.900 pesos e, quando paguei, o senhor me olhou sem compreender: mas é muito dinheiro, senhora, e devolveu-me dois mil pesos.
Assim tem sido nesses dias na Argentina.